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Vivendo para a Glória de Deus - Joel Beeke (Resenhas #3)

Com mais de 400 páginas e uma arte de capa bastante bela, como é de costume das novas edições da Editora Fiel, este livro me levou a uma leitura intensa e mais demorada do que eu esperava. Utilizei mais de 40 adesivos marcadores e marquei no mínimo o dobro disso de frases. Portanto não pretendo de forma alguma abranger tudo o que este livro tem a oferecer, mas aviso desde agora que não será uma resenha tão curta.


O Título

O título original do livro em inglês é: Living for God’s glory: an introduction to Calvinism. Creio que teria sido muito melhor se a tradução do título fosse literal. O livro trata muito mais sobre a fé calvinista que toda a amplitude da fé reformada. Ao lidar com os 5 pontos do Calvinismo, o autor basicamente busca mostrar através da obra de Calvino como ele expressava esses pontos, mesmo que não tenham sido sistematizados por ele. A influência de Calvino na sociedade e seu entendimento sobre filosofia, sociedade, política e vida privada são bastante tratados no livro. Portanto, quem esperar uma visão geral da fé reformada como um todo ficará um pouco decepcionado no início do livro, visto que o título em português nos leva a imaginar um conteúdo diferente do que realmente o autor se propôs a fazer. 

Vamos por partes 

O livro é organizado em seis partes, sendo a menor com 1 capítulo e a maior com 9. Buscarei aqui apresentar resumidamente um pouco sobre cada uma.

Parte um: O Calvinismo na história 

Nesta parte, composta por dois capítulos, o autor dá uma breve introdução histórica à Reforma Protestante, à teologia Calvinista e às suas repercussões na história, como a produção de inúmeras confissões de fé e catequismos professantes da fé reformada. Não encontrei aqui nenhuma novidade para mim, mas creio que para um leitor menos habituado com a teologia reformada e com história da igreja, entender como os conceitos foram sendo definidos na história ajuda bastante no estudo que virá na próxima parte.

Parte dois: O Calvinismo na mente

Esta é a parte mais polêmica do livro. Possui 9 capítulos e trata dos famosos Cinco Pontos do Calvinismo. São eles:
  1. Depravação total; 
  2. Eleição Incondicional; 
  3. Expiação Limitada; 
  4. Graça Irresistível; 
  5. Perseverança dos Santos. 
Os capítulos são tratados com bastante excelência e cuidado com um possível leitor desacostumado com o tema. Contudo, boa parte dos argumentos apresentados acontecem a partir do pensamento de Calvino, o que não é necessariamente um ponto negativo para um leitor que já entenda o assunto, mas faltaram as referências bíblicas mais básicas para lidar sobre o tema, já que o livro buscava se comunicar tanto com um leitor calvinista quanto com um leitor que desconhece o assunto.

A ênfase pastoral dada a cada um dos pontos é bastante evidente e faz com que o leitor não só entenda do que se trata cada ponto, mas medite nas implicações dele em sua vida. Sobre a Eleição Incondicional, o autor diz:

Deus, o Pai, elege seu povo com base em seu amor eterno, constrangedor e soberano por eles. Por que ele os ama? Porque escolheu fazer isso. Amor soberano e imutável é a alegria e a realidade crucial do universo. É o alicerce da graça redentora de Deus. Não podemos ir além desse amor soberano, para chegarmos a qualquer outra coisa. O amor é a realidade essencial em Deus mesmo. Deus é amor. (P. 81)
Dois capítulos inteiros são dedicados ao terceiro e central ponto: Expiação Limitada (ou definida). Algumas críticas diretas e corretamente sérias contra o Arminianismo são feitas, como por exemplo:

[...] a redenção arminiana desmente o ministério salvador do Espírito Santo, pois afirma que o sangue de Cristo tem aplicação mais ampla do que a obra salvadora do Espírito Santo. Qualquer apresentação da salvação que coloca a obra do Pai e a do Espírito na salvação atrás da obra de Cristo contradiz a unidade inerente da Trindade. O Pai e o Filho são um. O Espírito e o Filho são um. Cristo não pode ter morrido por aqueles que o pai não decretou salvar e nos quais o Espírito não opera de maneira salvífica. Deus não pode estar em desarmonia consigo mesmo. (P. 103)
Contudo, após as críticas, várias aplicações pastorais e implicações na vida prática são feitas, buscando em uma reflexão sobre a nossa natureza humana pecaminosa encontrar os motivos da nossa constante rejeição a esta doutrina.

Nos capítulos sobre os dois últimos pontos o assunto central é a ação do Espírito Santo na redenção. Como Ele regenera e nos auxilia a perseverar em nossa caminhada cristã. Muito mais que uma lista de provas bíblicas desta doutrina, o autor aqui apresenta a Graça e a esperança que podemos ter vindo da habitação do Espírito Santo em nós.

Por fim o autor trabalha ainda com os 5 Solas e com as implicações filosóficas de todas as doutrinas apresentadas nesta parte.

Ainda que nada novo seja tratado para alguém que já abraçou as doutrinas da graça, as aplicações pastorais desta parte fazem refletir sobre a aplicação destas doutrinas na vida e no aconselhamento de outras pessoas.

Parte três: O Calvinismo no coração 

Esta foi a parte que mais gostei de ler e que tem me feito refletir bastante sobre minha vida com Deus. Aqui são tratados assuntos como habitação do Espírito, piedade, santificação do pensamento e santificação na prática. Assuntos esses que são bastante preciosos para mim e que tocam bastante em minhas feridas, apontando meus pecados e minha falta de amor a Deus.

Beeke lida com o tema da santidade a partir dos Puritanos, e o faz de maneira excelente. Ele nos confronta com a necessidade de orarmos mais e já responde às objeções que vamos levantar sobre nossas dificuldades com a oração trazendo exemplos dos puritanos. O autor também nos encoraja a buscar uma vida prática de santidade, tanto individual quanto em nossos relacionamentos. Recomendaria este livro todo apenas por esta parte, mesmo que de todo o resto nada se tirasse proveito. Pretendo reler estes capítulos algumas vezes durante minha vida. O curioso disso é que não há quase marcadores nesta parte do livro. Não pela ausência de coisas interessantes, mas pela intensidade da leitura, que não me desprendia de suas afirmações e me levava a reflexões a cada frase.

Parte quatro: O Calvinismo na Igreja 

Esta parte trata da eclesiologia reformada. Ou seja, a relação do Calvinismo com o culto, com a pregação e com a evangelização. Estes pontos são apresentados tanto a partir da ótica de Calvino quanto dos Puritanos e nos ajudam a entender que o Calvinismo ajuda e incentiva profundamente a evangelização e nos traz confiança ao proclamarmos a mensagem da cruz.

Muita informação histórica útil é observada aqui nesta parte, especialmente referentes a evolução da eclesiologia na doutrina reformada e como os reformadores e seus sucessores entenderam e colocaram em prática a visão bíblica do funcionamento da igreja. Podemos, através deles, comparar com como estamos hoje e identificar pontos onde melhoramos e pontos onde nos perdemos.

Nesta parte, muita ênfase é dada na pregação e como ela era, especialmente com os Puritanos. Muitas coisas me chamaram a atenção, como o envolvimento de toda a família durante o culto e durante a semana com o sermão recebido e a forma intensa com que se buscava aplicar o que foi aprendido.

Um dos capítulos que mais me chamou a atenção aqui foi o “Aplicando a Palavra”. Nele, o autor mostra que os pregadores puritanos não tinham medo de colocar as pessoas face-a-face com seus pecados e confrontá-las com a possibilidade de não serem cristãs, diante da ausência de arrependimento. Estes mesmos pregadores buscavam confrontar a si mesmos com o que pregavam, visto que “a obra de um ministro é geralmente abençoada em proporção à santificação de seu coração diante de Deus” (P. 289). Havia uma ênfase bastante grande em seus escritos sobre a relação entre a vida e a obra do pregador. O autor cita Robert Traill, ao dizer que “muitos bons sermões se perdem por falta de oração no escritório”. Particularmente, não é difícil para mim, ao examinar minha vida com Deus, identificar profundas falhas na minha vida de oração. Este capítulo, por lidar diretamente com esta relação, foi de suma importância para mim e hoje, meses depois que li o livro, ao reler trechos para escrever esta resenha, fico pensante sobre como estou diante de Deus com minhas orações.

Parte cinco: O Calvinismo na prática

Nesta penúltima parte, vários autores são convidados a tratar de assuntos práticos da vida e como eles são vistos a partir da teologia calvinista.

O tema mais tratado aqui foram as relações familiares, especialmente o casamento. O capítulo “O Casamento Puritano” foi deveras especial para mim. Muito tenho refletido sobre o significado do casamento e sobre qual é o propósito de Deus para um homem dentro da família. A forma que o autor mostra que os Puritanos buscavam se relacionar com sua esposa e o que eles escreviam sobre o casamento me fez refletir bastante. Para aqueles que pretendem casar ou estão em processo disso, recomendo muito a leitura desta parte do livro, pois o autor nos põe em contato com as dificuldades e recomendações de pessoas que viveram séculos antes de nós e que se encaixam muito bem com nossos questionamentos atuais. Até mesmo na relação entre o homem e sua esposa grávida os puritanos tem muito o que ensinar.

Além do casamento, são também tratadas as implicações práticas do calvinismo no trabalho e na ética.

Parte seis: O alvo do Calvinismo

Esta é a parte final do livro, possuindo um único capítulo chamado “Doxologia”. O propósito dele é nos lembrar que tudo é sobre Jesus Cristo. Todo o plano da salvação, desde a eleição até a glorificação converge a Cristo. Quando encontramos na Bíblia e entendemos o significado das doutrinas da Graça, a reação do nosso coração deve ser uma profunda reverência e um profundo sentimento de adoração.

CONCLUSÃO

Esta longa resenha extrai apenas uma pequena parte do que esse livro oferece. Recomendo que os capítulos sejam lidos com bastante cuidado, em especial os das aplicações práticas, pois neles o autor nos mostra que o conhecimento bíblico-teológico somado a uma vida de oração e busca por santidade nos faz rendidos a Deus e herdeiros de Cristo, filhos adotivos do Criador do Universo. Nada há maior ou melhor do que isso.

Deus abençoe a todos.

Deixo abaixo uma resenha em vídeo do canal do Ministério Fiel sobre este livro.


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