Pular para o conteúdo principal

Conjunção de Realidades

Desde os primeiros momentos até o seu terminar, a caminhada de cada cristão aqui nesta terra é marcada pelo maior desafio intelectual que um ser humano pode enfrentar. Este desafio não é, como muitos meros espectadores desta caminhada sugerem, relacionado à existência de Deus ou aos supostos “saltos de fé” apontados por estes. Após ter o entendimento iluminado pelo Espírito Santo, tais desafios perdem a relevância devido a simplicidade de sua resolução e a ignorância onde tais questões se baseavam. O cristão olha para trás, em um envergonhado humor, e, diante da grandeza do que agora contempla, ri de sua antiga tolice e agradece pelo caminho para o qual foi irresistivelmente atraído.



Este grande desafio que vos falo se compreende na invasão da percepção de realidade do Reino na nossa distorcida visão humana do que é real. Assemelha-se a alguém que, com a visão defeituosa, incapaz de perceber corretamente cores e formas complexas, recebe uma lente que corrige seu problema, porém continua interpretando o que vê a partir do que anteriormente conhecia, ou seja, o que sua natureza está treinada a interpretar. Diante disso, até que seus olhos e mente estejam adaptados a esta visão, agora completa, da realidade, esta pessoa terá que policiar a si mesmo em todas as conclusões sobre a realidade, visto que nem sempre as coisas serão como ela as interpretará em primeiro instante.

Não obstante, será necessário que haja uma contínua ajuda externa àquele que teve sua visão corrigida. Inútil seriam as imagens reais com falsos significados, sem ninguém que lhe mostre o que as coisas realmente são.

Grande é este desafio e grandes são os aparentes paradoxos e contrastes.

Antes, os que eram vistos como fracos, agora glorificam o poder e a força daquEle que lhes dá propósito. Inversamente, aquele que era admirado por sua demonstração de força, está agora dentre os mais fracos.

O que antes era apenas um homem comum, agora é Deus encarnado, o Verbo pelo qual tudo se fez, verdadeiramente homem e verdadeiramente Deus. No ápice de sua humilhação, foi clamado diante dEle: “verdadeiramente este era o filho de Deus”. Sob lente do Reino, humilhação agora exala glória e traz para praça pública, em vexame e vergonha, os inimigos do Cordeiro.

A beleza, o amor e a verdade, antes intrinsecamente inúteis, medidas apenas pelos seus resultados sociais, são agora atributos do Rei, inutilizadores do que é temporal.

O que dizer então de nossa solitária e falsa autonomia de vontade? Agora ela é vista como verdadeiramente é: uma insuperável dependência, inevitavelmente submissa. E nesta dependência encontramos o sinônimo de liberdade, pois escravos são os que urgem contra ela em nome da mentirosa vontade autônoma, presos à mesma mentira da serpente: “sereis como Deus”.

Veja, estes desafios em nenhum momento tocam apenas a razão ou a emoção, mas abarcam o todo do nosso ser e o todo da nossa realidade. Eles não contradizem a lógica, mas desafiam a nossa. Nos trazem liberdade, mas nos tiram da ilusão da autonomia. Simples reações emocionais não resolverão o problema, muito menos simples conclusões racionais.

Portanto, quando vemos as Escrituras falarem sobre santificação, lembremo-nos de que esta não inclui apenas corretas ações morais, ou apenas autocontrole exterior e interior. A santificação é a correção dos nossos olhos, a purificação de nossa forma de ver a realidade, a queda das escamas dos olhos, o retirar da trave e do cisco. Dentre todos os desafios intelectuais que Deus poderia nos pedir, somos chamados a realizar o que, com nossas forças, é impossível. Eis mais um paradoxo: somos chamados a fazer o que não conseguiríamos, culpados de falhar e expostos à necessidade da direção do Eterno, para que em tudo soli Deo gloria.

Comentários