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Deus e o Mal: O Problema Resolvido - Gordon Clark (Resenhas #1)

O livro Deus e o Mal: O Problema Resolvido, de Gordon Clark foi publicado no Brasil pela Editora Monergismo. Mesmo tendo apenas 94 páginas, o conteúdo deste livro me levou a marcar mais de 20 delas. A profundidade com que o autor lida com os temas abordados é impressionante, se tornando um dos meus livros favoritos sobre o tema.

Antes de iniciar a leitura, preciso relatar que o livro veio com manchas de tinta na primeira página, provavelmente causadas por problemas com a impressão. Ele parece ter sido fechado antes da tinta secar. Fora isso, a arte da capa e a fluência da tradução realizada são ótimos.

Esta é a primeira resenha que faço para o blog e seu propósito é apenas instigar o leitor a ler o livro e não resumir tudo o que o autor trata. Espero que seja proveitosa.

Resenha

Neste livro, Clark mostra que a base para a compreensão do Problema do Mal é a doutrina da Soberania Exaustiva de Deus. Através disso, o autor desenvolve conclusões teológicas bastante semelhantes a de R. K. Mc Gregor Wright, em A Soberania Banida, onde ele mostra que a relação entre a Responsabilidade Humana e a Soberania de Deus não é misterioso ou paradoxal, mas sim bem explicado e embasado biblicamente.

Já no prefácio do livro, escrito por John W. Robbins, é mostrado que o assunto principal a ser tratado é o livre-arbítrio, visto que ele é uma das soluções mais comumente propostas para resolver o problema do mal. Contudo, Robbins afirma que aceitar existência do livre-arbítrio, como ele é atualmente definido, é concordar com os incrédulos de que Deus realmente não é onipotente e seu poder é limitado por algum agente externo, no caso, a liberdade da vontade do homem.

O livro começa com uma exposição histórica do entendimento do que significa livre-arbítrio ao longo da história e suas implicações, visto que este mesmo termo já foi usado com diferentes conotações. Para o restante do livro, o autor adota o entendimento mais comum do livre-arbítrio: a igual capacidade de escolher entre diferentes opções de forma autônoma.

Se aceitamos o livre-arbítrio, entendemos Deus como alguém bom que se esforça dentro do possível para ajudar e salvar o homem, mas é limitado por nossas escolhas. Contudo, se essa definição é possível, sua inversa também é. Deus pode ser um ser mau e trabalhando para praticar cada vez mais o mal no mundo, porém sua maldade e seu poder são limitados pelas escolhas humanas. Claramente, então, a alternativa do livre-arbítrio começa a se tornar inviável.

O autor dedica boa parte do livro para demonstrar a incoerência da crença no livre-arbítrio e como ela não resolve os problemas que se propõe a resolver, pois ao tentar conciliar a Bíblia com a autonomia do homem, com o propósito de inocentar Deus da responsabilidade sobre o mal, acaba por fazer o exato oposto.

A posição defendida por Clark neste livro é o Determinismo Bíblico. Esta posição concorda com a doutrina Bíblia de que nada escapa da soberania de Deus e tudo foi determinado por Ele antes que qualquer coisa tenha sido criada. Não somos seres autônomos de Deus e nossas escolhas não são livres e, portanto, o livre-arbítrio não existe. Com isso, ao invés de responder ao problema da Soberania vs. Responsabilidade como sendo um paradoxo, Clark procura mostrar que a Bíblia responde de forma bastante clara este problema. Para tanto, ele começa mostrando que a escolha voluntária do homem para o mau não é relacionada com a incapacidade para o bem. A voluntariedade de uma escolha não é relacionada com a capacidade de realizar uma escolha diferente. Após isso, ele mostra que responsabilidade só pode existir quando há alguém para quem se prestar contas e, portanto, possuir responsabilidade pressupõe uma autoridade superior que possa definir os termos e cobrar algo. A moralidade do homem e suas decisões só podem ser, então, cobradas se Deus tiver autoridade sobre o homem.

Diante deste entendimento sobre responsabilidade, vemos que, se Deus é a autoridade máxima sobre a moral, então Deus não precisa prestar contas à ninguém e tudo o que Ele faz vem de sua vontade e de seu caráter. Portanto, a definição do certo, do bom e do santo é o que Deus faz. Ele não obedece a uma lei moral maior que si mesmo, o que Ele decretar e ordenar é certamente bom, justo e santo.
É justo [...] que Deus castigue um homem pelos feitos que o próprio Deus “determinou antes de serem feitos”? Deus foi justo em castigar Judas, Herodes, Pilatos e outros? As Escrituras respondem na afirmativa e explica por quê. Deus não é somente o criador do universo físico [...], é também o legislador moral. É a sua vontade que estabelece a distinção entre o certo e o errado, entre a justiça e a injustiça; [e a sua vontade que prescreve as normas para a justa conduta. [...] Ele poderia ter criado um mundo com número diferente de planetas, se assim o desejasse. [...] Em vez de ter ordenado que os sacerdotes transportassem a arca nos ombros, Deus poderia ter proibido isso e ordenado que ela fosse colocada numa carroça puxada por bois. [...] as pessoas hesitam em aplicar o mesmo princípio de soberania na esfera da ética ordinária. Em vez de reconhecerem Deus como soberano na moral, elas pretendem sujeitá-lo a alguma lei ética independente e superior, uma lei que satisfaz as suas opiniões pecaminosas acerca do certo ou errado. (P. 70-71)
Isso tudo levanta a pergunta final do livro: Deus é o autor do mal? Se tudo acontece via sua vontade soberana, os pecados cometidos pelos homens são de autoria divina?

Clark admite que “essa visão com certeza torna Deus a causa do pecado, Deus é a causa exclusiva e máxima de tudo” e logo após insere inúmeras bases bíblicas para comprovar o que disse. Contudo, o autor diferencia causa de autoria. Deus pode ser a causa primária de todas as coisas, porém não é o autor do mal, ou seja, não o pratica. Clark traz o exemplo de um livro: Deus não é o autor do livro ou a sua causa imediata, mas certamente é a sua causa suprema.
Deus não é responsável nem pecaminoso, embora seja a única causa suprema de tudo. Ele não é pecaminoso porque, em primeiro lugar, tudo quanto Deus faz é justo e reto. É justo simplesmente em virtude do fato de ser ele quem faz. Justiça ou retidão não é um padrão externo a Deus, ao qual ele está obrigado a se submeter. Retidão é aquilo que Deus faz. Uma vez que Deus causou Judas a trair Jesus, esse ato casual é reto e não pecaminoso. Por definição, Deus não pode pecar. Neste ponto deve ser particularmente indicado que Deus causar um homem a pecar não é pecado. Não há lei, superior a Deus, que o proíba de decretar atos pecaminosos. O pecado pressupõe uma lei, pois o pecado é ilegalidade. Pecado é qualquer falta de conformidade com a lei de Deus, ou qualquer transgressão dessa lei. Mas Deus é “Ex-lex” (P. 81).
É preciso lembrar ainda, segundo o autor, que não podemos basear nosso entendimento das relações Deus-Homens com as relações Homens-Homens, ou nosso entendimento no relacionamento de Deus-Lei com Homem-Lei. “Deus tem direitos absolutos e ilimitados sobre todas as coisas criadas”. Um exemplo é que a lei que nos impede de roubar não pode ser aplicada a Deus, visto que ele a cumpre não por apenas agir corretamente, mas por já ser o dono de tudo que existe. A lei não se aplica a Deus da mesma forma que se aplica a nós. Posso eu ainda complementar que para nós a vingança é proibida, mas é um direito de Deus aplicá-la. Portanto, “uma vez que Deus não pode pecar, por conseguinte, Deus não é responsável pelo pecado, mesmo que o decrete”.

Por fim, o livro se encerra com o mesmo autor do prefácio: John W. Robbins, que mostra a necessidade do estudo de teologia e do aprofundamento no conhecimento das doutrinas bíblicas por parte da igreja, defendendo que “o evangelho é o poder de Deus, não as sensações religiosas nem os relacionamentos pessoais”. Uma citação que pode resumir o que é dito por ele neste capítulo final é:
[...] a teoria sem prática é morta e [...] a prática sem a teoria é cega. O problema da igreja professa não está basicamente na prática, mas na teoria. Crentes e mestres professos não conhecem, e muitos nem querem conhecer, as doutrinas da Escritura. A doutrina é intelectual e os crentes professos são de modo geral anti-intelectuais. A doutrina é a torre de marfim. No entanto, a torre de marfim é a torre de controle da civilização. O erro teórico fundamental dos homens "práticos" é o de pensar que podem ser unicamente práticos, pois a prática é sempre a prática de alguma teoria. A relação entre teoria e prática é a relação entre causa e efeito. Se alguém acredita na teoria certa, sua prática se inclinará para o que é certo. A prática dos crentes professos modernos é imoral por tratar-se da prática de teorias falsas. Um dos maiores equívocos dos homens "práticos" é o de achar que podem ignorar as torres de marfim dos teólogos e dos filósofos, por considerá-las irrelevantes para a vida. Cada ação realizada pelos homens "práticos" é governada pelo pensamento estabelecido em alguma torre de marfim: seja ela o Museu Britânico, as universidades; uma casa em Basileia, Suíça; ou uma tenda em Israel.(P. 90-91)

Conclusão

Este livro me surpreendeu bastante com a quantidade de informações em tão poucas páginas. Cada parágrafo exigia um período de reflexão, que talvez ainda vá perdurar por um bom tempo na minha vida. O aprofundamento no estudo da soberania de Deus sempre é humilhante para aquele que estuda, pois ele enxerga quão pequeno e dependente ele é do Senhor do Universo.

A obra possui uma abordagem bastante intensa e objetiva, transparecendo em alguns momentos certa acidez contra o arminianismo. Contudo, claramente é possível ver que o autor tem grande preocupação com como os cristãos atuais entendem Deus e sua soberania e quanto um correto entendimento disso mudaria nossa forma de viver, adorar e cultuar a este Deus tão grandioso.

Mesmo alguém que não compartilhe da mesma visão do autor (Calvinismo, Determinismo Bíblico e Dupla Predestinação) não consegue ler atentamente este livro e não refletir sobre a força de seus argumentos. Este livro me trouxe a satisfação de começar minhas leituras de 2018 de uma forma bastante produtiva.

Como já disse, esta é a primeira resenha que publico aqui. Espero conseguir tornar isso mais comum. E espero também que eu tenha incentivado à leituras sobre o tema. Certamente estudarmos sobre o tamanho da soberania de Deus traz enormes frutos para nossas vidas.

Comentários

Anônimo disse…
Muito bom!
Unknown disse…
Muito legal, está adicionado a minha lista de compras, certamente estará nos meu plano de leitura para 2019!