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Fé Racional?


Recentemente notei em mim e nas pessoas ao meu redor que existe um medo muito grande em admitir algum conhecimento que entre em contato com alguma filosofia interna e também medo em admitir desconhecimento. Noto em mim que é comum tentar invalidar a questão proposta ao invés de estudar a mesma, para que, de alguma forma, com a questão sendo invalidada, meu desconhecimento não apareça e meu ego não seja ferido. Esta característica é bastante notável em grande parte das pessoas também.

Esta observação pode ser aplicada em várias pessoas de vários "setores" da sociedade, como por exemplo, em muitos casos é vão discutir com algum ateu, pois mesmo sem argumentos lógicos sobre algo, ele tem medo de admitir que não sabe e que existe a possibilidade de ele estar errado, pois isso iria ferir a sua fé, sua confiança em si mesmo e seu orgulho. 

Contudo, pretendo ser mais específico. Sou cristão e convivo no meio de cristãos, sendo assim, consigo observar estas características de forma mais específica (tanto em mim quanto nos outros). Preciso, para isso, partir de um ponto crucial: a fé não é algo puramente sentimental e emocional. Não é algo que eu preciso sentir ou me emocionar, não é algo que exija a constante sensação de emoção e certamente não é relacionada com euforia. Esta, pode existir mesmo na ausência de fé. Ainda que a fé possa causar grandes abalos no emocional, ela é muito mais racional do que sentimental. 
"Quando digo que o cristianismo é racional, não quero significar com isso que a verdade do cristianismo em toda a sua majestade pode ser deduzida a parte de alguns princípios lógicos por um filósofo especulativo." - R. C. Sproul
A fé é racional por toda a palavra revelada a nós ser passível de entendimento e não pode ser ignorada ou apontada como um "mistério" apenas pela alta dificuldade em entendimento ou por ir contra uma filosofia pessoal ou mesmo contra o consenso geral. Muito menos o estudo profundo da mesma pode ser invalidado utilizando como argumento que ela não é passível de compreensão racional, mas apenas de interpretação pessoal. Isto é uma mentira, e das grandes (que vem visivelmente destruindo e desvalorizando o evangelho no contexto do mundo atual).
"Mas o que ele revela é inteligível, podemos entender com o nosso intelecto. Ele não nos pede que desprezemos nossas mentes para nos tornarmos cristãos. (...) O pulo que o Novo testamento nos chama a dar, não é um pulo ao escuro, mas é para fora do escuro, para a luz, para aquilo que verdadeiramente podemos entender." - R. C. Sproul
"Que farei, pois? Orarei com o espírito, mas também orarei com o entendimento; cantarei com o espírito, mas também cantarei com o entendimento." - 1 Coríntios 14:15
Há alguns meses, vários dos meus conceitos teológicos que eu acreditava serem firmes (ainda que sem nenhuma base bíblica consistente a favor deles) foram derrubados. Deixei de acreditar em perda da salvação e livre arbítrio. Passei a entender que a eleição é incondicional (Rm 9.16) e a graça irresistível (Jo 6.37), pois a depravação foi total  (Rm 3.9-18) e que o Espírito Santo é o penhor da minha salvação (Ef 1.13-14), a qual eu não perderei, pois ninguém é capaz de me arrancar das mãos de Cristo (Jo 10.29). Compreendi, então, o tamanho da Graça e o tamanho da queda do homem e que todas as coisas, sem exceções, estão sob a soberania divina ativa. 

Este choque abalou seriamente meu orgulho, pois me vi obrigado pela Bíblia a rever os meus conceitos. Afetou desde a forma que eu vivo até a forma na qual eu falo da palavra, pois agora entendo que é uma honra pregar, mas se eu não pregar, alguém o fará, pois a obra é inteiramente dEle e, se Ele quiser salvar alguém, não há ninguém que O possa impedir disso.
"Porque Deus é o que opera em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a sua boa vontade." - Filipenses 2:13
Este entendimento bíblico é conhecido como Doutrinas da Graça, mas é mais conhecido como Calvinismo. Eis que o problema inicia. Ao ser identificado como calvinista (ainda que eu evite utilizar este termo) são usados diversos argumentos dizendo "não siga a Calvino, siga a Cristo" ou a utilização de versículos que dizem "Eu sou de Paulo; e outro: Eu de Apolo; porventura não sois carnais?" (I Co 3.4) e "Porque virá tempo em que não suportarão a sã doutrina; mas, tendo comichão nos ouvidos, amontoarão para si doutores conforme as suas próprias concupiscências;" (2 Tm 4.3). A utilização destes textos, para serem argumentos válidos neste contexto, deveriam vir acompanhados por uma definição bíblica de "sã doutrina" que fosse incompatível com o que afirmo estar na bíblia. Como não vem com isso, apenas se encaixam no que disse anteriormente: uma tentativa de invalidar o ato de estudar para esconder o desconhecimento e proteger o ego, pois admitir o desconhecimento e estudar com sinceridade significa uma humilhação que aqueles que usam estes argumentos não estão dispostos a se submeter. Quando falo "aqueles", me incluo nestas pessoas, pois ainda que eu seja consciente da possibilidade de agir assim e tente lutar contra isso, meu coração é enganoso e perverso (Jr 17.9) e a mínima brecha causa enormes estragos, pois sei da minha depravação total.

Preciso confessar que até o momento não tive a oportunidade de ler a obra completa das institutas de Calvino. Fui convencido sobre os assuntos que mencionei anteriormente apenas com a bíblia (sendo que minha bíblia é a bíblia de estudo Dake, completamente arminiana e os argumentos da mesma são bastante contraditórios - comprei uma de Genebra que ainda não chegou). Claro que eu também busquei muitos (muitos!) artigos, pregações, exposições e análises sobre o tema, mas também preciso deixar claro que minha opinião inicial era a oposta, então eu era inicialmente bastante tendencioso a procurar algo que explicasse que eu estava certo e a Bíblia foi o suficiente para mostrar que não.

Há tantas filosofias antropocêntricas e emocionais, baseadas no homem, na emoção, satisfação e euforia que elas estão impregnadas em nossa mente de uma forma que admitir a não existência de livre arbítrio e a soberania de Deus, ainda que não excluindo a responsabilidade do homem, é algo bastante doloroso. Esquecemos do básico: a salvação é pela Graça e não por obras (Ef 2.8-9). A salvação, não apenas a conversão. Chegamos a Cristo, porque Ele nos escolheu e nos amou antes, não pela obra da nossa escolha. Continuamos na salvação, pela Graça e capacitação nossa, não pelas obras agradáveis que fazemos ou deixamos de fazer após a conversão. Somos divinamente capacitados a obedecer, não é obra nossa, todo o crédito é dEle. Toda a honra, glória e louvor da salvação é para Ele. Toda a obra foi feita por Ele e para Ele (Rm 11.36) para louvor da Sua gloriosa Graça (Ef. 1.6). 

Entristece-me a dificuldade em, como cristãos, termos uma fé racional. Mais ainda, em julgarmos e olharmos com maus olhos aqueles que querem entender a verdade revelada com o racional dado por Deus com justamente esta finalidade. 

O entendimento de a salvação ser pela Graça não é algo a ser esquecido e apenas pronunciado com palavras vazias. Deve ser vivido. Precisamos meditar nisto dia e noite sem esquecer que a obra é dEle. Que tudo é para a glória dEle até mesmo o ímpio (Pv 16.4).

Soli Deo Gloria


REFERÊNCIAS

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